Ilegalidade na forma de cobrança das contribuições ao “Sistema S”: possibilidade de restituição do excedente aos contribuintes

.                A redação do art. 4º da Lei n.º 6.950/81 foi clara ao estabelecer o limite de 20 (vinte) salários mínimos para a base de cálculo de contribuição a terceiros:

Art. 4º. O limite máximo do salário-de-contribuição, previsto no art. 5º da Lei n.º 6.332, de 18 de maio de 1976, é fixado em valor correspondente a 20 (vinte) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.

Parágrafo único. O limite a que se refere o presente artigo aplica-se às contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros.

.                Posteriormente, passaram a integrar a legislação tributária o Decreto-Lei n.º 2.318/86, art. 3º, e a Lei n.º 8.212/91, art. 22, I, que afastaram a referida limitação para as contribuições previdenciárias. Vejamos a redação dos aludidos dispositivos:

Art. 3º. Para efeito do cálculo da contribuição da empresa para a previdência social, o salário de contribuição não está sujeito ao limite de vinte vezes o salário mínimo, imposto pelo art. 4º da Lei nº 6.950, de 4 de novembro de 1981.

*

Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de:

(…)

I – vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa. (grifos inautênticos)

.                Ocorre que os dispositivos transcritos afastaram o limite anteriormente estabelecido pelo art. 4º da Lei n.º 6.950/81 somente em relação às contribuições previdenciárias, razão pela qual o referido teto permanece plenamente vigente para a base de cálculo das contribuições a terceiros, não havendo que se falar em interpretação extensiva. Nesse ponto, merecem destaque as ponderações da Ministra Rosa Weber, Relatora no julgamento do RE n.º 603.624/SC, em seu voto favorável ao reconhecimento da inexigibilidade das contribuições para o SEBRAE, a APEX e a ABDI:

Em matéria de direito tributário – precisamente exação – entendo de bom alvitre o respeito primeiro ao texto da lei, acompanhado de certo comedimento interpretativo do Estado-Juiz, do mesmo modo com se procede na seara do direito penal, pois ambos consubstanciam ramos do direito cujas origens remontam à proteção da esfera jurídica dos cidadãos em face do Estado.

Não por outro motivo a nossa Constituição Federal, alinhada àquelas de índole democrática, reverencia o princípio da estrita legalidade na imposição de penas e tributos, sem dúvida um dos alicerces da formação e manutenção da sociedade e do Estado, exigência de longa data arraigada na cultura jurídica ocidental (…)” (grifei)

.                Com base nessas premissas e cotejando as redações dos dispositivos indicados, é possível inferir que o teto da base de cálculo das contribuições a terceiros permanece, reitere-se, em plena vigência, havendo alteração (revogação parcial) apenas no tocante à contribuição previdenciária patronal.

.                Nesse sentido, tendo em vista que as contribuições destinadas a terceiros gozam de natureza diversa daquelas destinas ao custeio da previdência social,  não é possível concluir, de modo algum, que a novel legislação tenha se referido, ao revogar o teto, também às contribuições de terceiros, já que não há qualquer menção legal específica neste tocante.

.                Por isso, revela-se sobremaneira ilegal a sistemática atual de cobrança da referida exação, que considera como base de cálculo das contribuições a terceiros a integralidade da folha de salários, em ofensa à limitação expressa a 20 (vinte) salários mínimos estabelecida pelo art. 4º da Lei n.º 6.950/81.

.                A propósito do tema, merece destaque o entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça:

TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL DEVIDA A TERCEIROS. LIMITE DE VINTE SALÁRIOS MÍNIMOS. ART. 4º DA LEI 6.950/1981 NÃO REVOGADO PELO ART. 3º DO DL 2.318/1986. INAPLICABILIDADE DO ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO DA FAZENDA NACIONAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Com a entrada em vigor da Lei 6.950/1981, unificou-se a base contributiva das empresas para a Previdência Social e das contribuições parafiscais por conta de terceiros, estabelecendo, em seu art. 4º, o limite de 20 salários-mínimos para base de cálculo. Sobreveio o Decreto 2.318/1986, que, em seu art. 3º, alterou esse limite da base contributiva apenas para a Previdência Social, restando mantido em relação às contribuições parafiscais. 2. Ou seja, no que diz respeito às demais contribuições com função parafiscal, fica mantido o limite estabelecido pelo artigo 4o., da Lei no 6.950/1981, e seu parágrafo, já que o Decreto-Lei 2.318/1986 dispunha apenas sobre fontes de custeio da Previdência Social, não havendo como estender a supressão daquele limite também para a base a ser utilizada para o cálculo da contribuição ao INCRA e ao salário-educação. 3. Sobre o tema, a Primeira Turma desta Corte Superior já se posicional no sentido de que a base de cálculo das contribuições parafiscais recolhidas por conta de terceiros fica restrita ao limite máximo de 20 salários-mínimos, nos termos do parágrafo único do art. 4º da Lei 6.950/1981, o qual não foi revogado pelo art. 3º do DL 2.318/1986, que disciplina as contribuições sociais devidas pelo empregador diretamente à Previdência Social. Precedente: REsp. 953.742/SC, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJe 10.3.2008. 4. Na hipótese dos autos, não tem aplicação, na fixação da verba honorária, os parâmetros estabelecidos no art. 85 do Código Fux, pois a legislação aplicável para a estipulação dos honorários advocatícios será definida pela data da sentença ou do acórdão que fixou a condenação, devendo ser observada a norma adjetiva vigente no momento de sua publicação. 5. Agravo Interno da FAZENDA NACIONAL a que se nega provimento. (AgInt no REsp 1570980/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/02/2020, DJe 03/03/2020) (grifo nosso)

.                No mesmo sentido, confira-se precedente do E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região:

PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. TETO DE 20 (VINTE) SALÁRIOS MÍNIMOS PARA BASE DE CÁLCULO DE CONTRIBUIÇÃO A TERCEIROS. LIMITE DO SALÁRIO DE CONTRIBUIÇÃO. ARTIGO 4º DA LEI N.º 6.950/81. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. 1. Aduz a agravante, em suma, que o limite de 20 (vinte) salários mínimos para a base de cálculo de contribuição a terceiros deve ser preservada haja vista a plena vigência do artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 6.950/81. Salienta que a edição do Decreto-Lei nº 2.318/86, artigo 3º, afastou o limite da base de cálculo tão somente com relação à contribuição previdenciária. 2. Pelo cotejo das redações dos dispositivos transcritos, é possível inferir que o teto da base de cálculo das contribuições a terceiros permanece em plena vigência, havendo alteração (revogação) apenas no tocante à contribuição previdenciária patronal. 3. Em outras palavras, tendo em vista que as contribuições destinadas a terceiros gozam de natureza diversa daquelas destinas ao custeio da previdência social,  não é possível concluir que a novel legislação tenha se referido, ao revogar o teto, também às contribuições de terceiros já que não há menção legal quanto à específica circunstância. 4. Desse modo, ao menos nesse juízo perfunctório, de cognição sumária própria dos provimentos de natureza liminar, verifica-se a plausibilidade do direito invocado e, ainda, a urgência da medida ante os prejuízos comerciais a serem suportados com a cobrança a maior. 5. Agravo de instrumento provido. (TRF 3ª Região, 3ª Turma, AI – AGRAVO DE INSTRUMENTO – 5031659-53.2019.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal ANTONIO CARLOS CEDENHO, julgado em 02/04/2020, Intimação via sistema DATA: 14/04/2020) (grifamos)

.                Destarte, não restam dúvidas sobre a ilegalidade da cobrança das contribuições a terceiros utilizando como base de cálculo a integralidade da folha de salários, enquanto há limitação de 20 (vinte) salários mínimos prevista no art. 4º da Lei n.º 6.950/81. Logo, merece ser reconhecida a aludida limitação em favor dos contribuintes, a fim de que lhes seja assegurado o recolhimento das aludidas contribuições com as respectivas bases limitadas nos moldes legais.



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